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Esta é a vida eterna: que te conheçam, o único Elohim verdadeiro, e a Yeshua o Messias, a quem enviaste. JOÃO 17:3
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Estudo completo sobre Lucas 23:43 – ‘Hoje estarás comigo no Paraíso”?

Estudo completo sobre Lucas 23:43 – ‘Hoje estarás comigo no Paraíso”?

Este é um estudo completo e aprofundado sobre o tema da imortalidade da alma e do destino humano após a morte, extraído de meu livro: “A Lenda da Imortalidade da Alma”. O seguinte capítulo trata sobre a famosa declaração de Jesus ao ladrão ao seu lado da cruz, registrada em Lucas 23:43. Foi inicialmente escrito por mim em 2010 e revisado em Julho de 2013, após anos de estudo e trabalho sobre o tema em questão. Boa leitura a todos.

ESTUDO COMPLETO SOBRE LUCAS 23:43 – “HOJE ESTARÁS COMIGO NO PARAÍSO”?

Uma das mais falsas interpretações verdadeiros ensinos de Cristo por parte dos defensores da doutrina platônica da imortalidade da alma é uma das últimas mensagens que Cristo trouxe enquanto ainda estava em vida. Segundo os dualistas, o que Jesus disse ao ladrão ao seu lado na cruz foi que estaria naquele mesmo dia com ele no Paraíso: “Em verdade te digo que hoje estarás comigo no Paraíso” (cf. Lc.23:43).

O que poucas pessoas sabem, contudo, é que temos muitas evidências de que o ladrão, realmente, não esteve no Paraíso naquele dia. Mas como não? A Bíblia não diz claramente isso? Na verdade, não. O fato é que o original grego não tinha vírgulas, e o texto original assim reza: “Kai eipen autw amhn soi legw shmeron met emou esh en tw paradeisw” (cf. Lc.23,43).

Em primeiro lugar, é bom mencionarmos logo que a adição presente em muitas Bíblias, da palavra “QUE”, não existe nos originais. O que Jesus realmente disse ao ladrão da cruz foi: “Em verdade te digo hoje estarás comigo no Paraíso”. Como o texto original não possui vírgulas e o texto deixa em aberto a questão, poderíamos colocá-la em dois lugares diferentes, entretanto é algo que mudaria completamente o significado da frase.

Esta poderia ser: “Em verdade te digo, hoje estarás comigo no Paraíso” (dando a entender que estaria naquele dia no Paraíso com o ladrão da cruz) ou então: “Em verdade te digo hoje, estarás comigo no Paraíso” (ele garantia “hoje” que o ladrão estaria no Paraíso).

É algo parecido com uma rebelião em determinada cidade, em que o governante comunicou a revolta ao seu superior, dizendo: “Devo fazer fogo ou poupar a cidade?” A resposta do superior foi: “Fogo não, poupe a cidade”. Infelizmente, o funcionário do correio trocou a vírgula e escreveu o seguinte na resposta do telegrama: “Fogo, não poupe a cidade”.

E assim cidade foi totalmente destruída.

Mas como podemos saber que Jesus realmente não disse: “Em verdade te digo, hoje estarás comigo no Paraíso”? Temos muitos motivos para desacreditar que o ladrão esteve naquele mesmo dia com Cristo no Paraíso. Algumas das principais razões são:

APÓS TRÊS DIAS, JESUS AINDA NÃO HAVIA SUBIDO AO PAI

Após três dias, Jesus ainda não havia subido ao Pai – Uma verdade que nos é reveladora para concluirmos que Cristo não esteve com o ladrão da cruz naquele mesmo dia no Paraíso é o fato de que, após três dias morto, Jesus ainda não havia subido ao Pai, e declarou a Maria Madalena: “Não me detenhas; porque ainda não subi para meu Pai” (cf. Jo.20:17). Ora, se Jesus ainda não havia subido ao Pai após três dias, então não poderia ter estado naquele mesmo dia com o ladrão da cruz no Paraíso!

Alguns imortalistas rejeitam essa evidência pela alegação de que Jesus esteve no Paraíso “em espírito” nesses dias, mas não corporalmente. Se isso fosse verdade, porém, Cristo teria mentido a Maria Madalena, já que o texto em questão não faz menção ao corpo de Nosso Senhor, mas sim ao ser racional dele. O texto não diz que ele não subiu “apenas corporalmente”, o texto fala da pessoa de Cristo, do ser racional, que o próprio Cristo não passou pelo Paraíso nos dias em que esteve morto. Admitindo-se que o ser racional seja a “alma” ou o “espírito”, como alegam os imortalistas, seria incoerente crer que Jesus estivesse apenas se referindo ao corpo. Essa interpretação também fere as regras da lógica e do bom senso, como observa o prof. Azenilto Brito:

“Para os imortalistas, quando Jesus declarou que não subiu para o Pai em João 20:17 Ele quis dizer — minha alma é que subiu; agora é que vou completo, corpo e alma… Conclusão absurda, para dizer o mínimo”

É evidente que, caso Cristo tivesse subido ao Paraíso, então ele relataria isso a Maria Madalena ou, no mínimo, omitiria tal declaração tão categórica de que ele não esteve no Paraíso, optando por dizer algo como “já subi e subirei de novo”. Infelizmente para os imortalistas, a única coisa que Cristo disse é que ainda não havia subido ao Pai, algo que não seria verdade caso o “verdadeiro eu” de Cristo já tivesse subido.

Alguns imortalistas, em uma outra tentativa em demonstrar alguma objeção ao argumento baseado em João 20:17, dizem que o fato de Jesus ter subido ao Pai não implica que ele tenha ido ao Paraíso, como se o Paraíso ficasse em um lugar e Deus em outro! Esse “Paraíso sem Deus” que eles creem certamente não é o Paraíso bíblico, mas um que eles inventaram no desespero em oferecerem alguma refutação decente ao texto de João 20:17, que por si mesmo é óbvio e refuta as teses imortalistas. Eles creem que Paulo foi “arrebatado ao Paraíso” (cf. 2Co.12:4) e não viu nem Deus por lá (seria o mesmo que eu o convidasse a estar na minha casa e eu mesmo não estivesse lá), e inacreditavelmente interpretam que a “árvore da vida, que está no Paraíso de Deus” (cf. Ap.2:7), está em um lugar onde nem Deus está!

Ou seja: que o Paraíso é chamado de “Paraíso de Deus” mas não é onde Deus está! É a mesma coisa de a minha casa se chamar de “casa do Lucas” mas o Lucas não mora lá. Eles pensam que Deus estava de “férias” naqueles três dias, longe do Paraíso dele mesmo! Além disso, notemos que Jesus entregou o seu espírito ao Pai ao morrer (cf. Lc.23:46), e para os imortalistas esse espírito é a alma imortal que deixa o corpo com consciência e personalidade após a morte. Sendo assim, é imprescindível que Jesus estivesse com o Pai naquele mesmo dia, ou senão eles teriam que reformular toda a teologia deles acerca daquilo que é o “espírito”.

Portanto, a declaração categórica de que Jesus não subiu ao Pai (cf. Jo.20:17) entra em choque com a crença deles de que o espírito é um ser consciente e racional, visto que por essa lógica Cristo deveria ter subido ao Pai imediatamente na morte já que havia entregado o seu espírito a Ele. Ou esse espírito não é um ser consciente e racional como os imortalistas creem, ou Jesus fez uma encenação ao entregar o seu espírito ao Pai na morte para depois dizer que ainda não havia subido ao Pai.

JESUS DESCEU, NÃO SUBIU

Jesus desceu, não subiu – Outro fator de clareza fundamental para concluirmos que Cristo realmente não subiu ao Pai no dia em que morreu é o fato de que, nos três dias em que ele esteve morto, ele esteve no Sheol, e não no Paraíso. Tal fato é relatado no livro de Atos, quando Pedro falava a respeito da ressurreição de Jesus: “Porque não deixarás a minha alma no Sheol, nem permitirás que o teu Santo veja corrupção” (cf. At.2:27). Pedro na realidade usou a passagem do livro dos Salmos em que Davi citava tal passagem, que diz: “Pois não abandonarás a minha alma no Sheol, nem permitirás que o teu santo veja a corrupção” (cf. Sl.16:10). De acordo com o léxico da Concordância de Strong, a palavra traduzida por “deixar” vem do grego “egkataleipo”, que tem o sentido de abandonar:

1459 εγκαταλειπω egkataleipo
de 1722 e 2641; v
1) abandonar, desertar.
1a) deixar em grandes dificuldades, deixar abandonado.
1b) totalmente abandonado, completamente desamparado.
2) deixar para trás, desistir de sobreviver, falecer.

Como vemos, a alma de Jesus foi retirada do Sheol ao ser ressuscitado, e não do Paraíso. Ele não viu a corrupção pois não foi deixado abandonado no Sheol, onde esteve enquanto morto, mas foi retirado de lá apenas três dias depois. Aqui vemos mais uma vez que Sheol significa sepultura, a “cova da corrupção” (cf. Is.38:17), e o detalhe é que Pedro e o salmista declaram que foi o local para onde a alma de Cristo — e não apenas o corpo — esteve na morte.

No grego de Atos 2:27:

“oti ouk egkataleipseis tên psuchên mou eis a=adên tsb=adou oude dôseis ton osion sou idein diaphthoran” – Atos 2:27

No hebraico do Salmo 16:10:

“iy lo’-tha`azobh naphshiy lish’ol lo’-thittênchasiydhkha lir’oth shâchath” – Salmos 16:10

O próprio Cristo afirmou que esse Sheol (transliterado ao grego como “Hades”) fica nas regiões inferiores da terra, em oposição ao Paraíso: “E tu, Cafarnaum, será elevada até ao céu? Não, você descerá até o Hades! Se os milagres que em você foram realizados tivessem sido realizados em Sodoma, ela teria permanecido até hoje” (cf. Mt.11:23; ver também: Ef.4:9; Mt.12:40).

Portanto, vemos que a alma de Cristo passou os três dias em que esteve morto no Sheol, que não é o Paraíso, muito pelo contrário, está em um local em oposição a ele (cf. Mt.11:23). O Filho do homem estaria “três dias e três noites no coração da terra” (cf. Mt.12:40), não apenas de forma corporal, mas como alma, conforme diz a profecia do salmista (cf. Sl.16:10) e a confirmação do apóstolo Pedro (cf. At.2:27), e não no Paraíso. Tendo isso em mente, até aqui podemos perceber que:

• O ser racional de Cristo não passou pelo Paraíso nos três dias em que esteve morto (cf. João 20:17).

• A alma de Cristo não esteve no Paraíso nos dias em que este esteve morto, mas no Sheol (cf. At.2:27; Sl.16:10), que fica nas regiões inferiores da terra (cf. Ef.4:9; Mt.12:40), em oposição ao Paraíso (cf. Mt.11:23), e não no próprio Paraíso.

Tudo isso já nos mostra que Jesus não pode ter dito que o ladrão estaria com Ele naquele mesmo dia no Paraíso, se nem o próprio Cristo esteve no Paraíso nos dias de sua morte. A interpretação correta de Lucas 23:43 deve estar de acordo com as regras da hermenêutica, que afirma que a Bíblia explica a própria Bíblia. Sendo que é tão nítido biblicamente que Cristo não esteve no Paraíso quando morreu, a interpretação correta de Lucas 23:43 é contrária à oferecida pelos imortalistas.

Numa tentativa desesperada em negarem o óbvio e tentarem conciliar suas teses com aquilo que a Bíblia declara taxativamente sobre para onde Cristo foi após a morte, alguns imortalistas afirmam que Jesus esteve no Sheol mas ao mesmo tempo esteve com o ladrão da cruz no Paraíso, fazendo uso de sua onipresença. Tais malabarismos exegéticos só são feitos para negar a clareza da linguagem bíblica sobre a mortalidade da alma, pois em outras circunstâncias nenhum deles diz que Jesus, enquanto esteve entre nós, vivia em dois lugares ao mesmo tempo.

Ninguém afirma que Jesus viva em Nazaré mas simultaneamente estava no Egito, na América, no Paraíso e no Hades. Enquanto Jesus esteve limitado a um corpo, ele jamais fez uso do atributo da onipresença. Ele era um homem, e, assim como nós, se estava em um lugar, não estava em outro. Jesus não nasceu em todos os lugares do mundo por ser onipresente, ele nasceu em Belém. Jesus não cresceu em todos os lugares do mundo por ser onipresente, ele cresceu em Nazaré. Jesus não pregava em todos os lugares do mundo por ser onipresente, ele pregava no Templo. Jesus não morreu em todos os lugares do mundo por ser onipresente, ele morreu no Gólgota.

Da mesma forma, após a morte Jesus não estava no Sheol e ao mesmo tempo no Paraíso por ser onipresente, a Bíblia diz que ele passou os três dias e três noites no Sheol. Jesus esvaziou-se a si mesmo ao se fazer humano (cf. Fp.2:6,7), ele só voltou a fazer uso de seus atributos divinos na glorificação. Nasceu, cresceu, viveu e morreu como homem. E, como homem, não esteve em dois lugares ao mesmo tempo, seja na vida ou na morte. Isso por si só já é mais que o suficiente para liquidar com a antibíblica tese de que o ladrão esteve com Cristo naquele mesmo dia no Paraíso, mas prosseguiremos com mais provas em diante para enriquecermos ainda mais as evidências deste estudo sobre Lucas 23:43.

O CONTEXTO

O contexto – O que foi dito pelo ladrão da cruz no verso anterior a esta resposta de Cristo (no verso 42), no original grego foi: μνήσθητί = Lembra-te \ μου = de mim \ ὅταν = quando \ ἔλθῃς = vier \ εἰς = em \ τὴν = o \ βασιλείαν = Reino \ σου = de ti. Ou seja, “Lembra-te de mim quando vieres no teu Reino”. Tal é o texto original no grego e confirmado pelas melhores versões a nossa disposição, tais como a versão Trinitariana, a Versão Italiana de G. Deodatti, a Francesa L. Segond, a Inglesa de King James, Almeida Revisada e Atualizada, entre outras.

Cristo buscava assegurar ao ladrão da cruz que não precisava pensar em termos de tempo tão remoto para ser lembrado por Ele. “Hoje lhe garanto que estarás comigo no Paraíso”, é o sentido lógico diante de tal contexto. O ladrão pediu a Jesus para lembrar-se dele no futuro quando Ele viesse no Seu Reino visível (v.42), mas Jesus respondeu o lembrando imediatamente – “hoje” – assegurando que estaria com Ele no Paraíso.

“Em verdade te digo hoje”, isto é, eu lembro agora mesmo, não precisa pensar em um tempo tão distante, hoje mesmo eu te digo que você estará comigo no Paraíso. Esse é o sentido lógico pelo contexto. Note que o próprio ladrão sabia que não iria ao Céu imediatamente após a morte, já que pediu para Cristo se lembrar dele “quando viesse em seu Reino”, ou seja, na segunda vinda de Cristo.

O LADRÃO NÃO MORRIA NAQUELE MESMO DIA

O ladrão não morria naquele mesmo dia – Um condenado a morte de cruz geralmente demorava dias para morrer na cruz. Lemos em João 19:31-33 um costume antigo realizado pelos judeus: “Os judeus, pois, para que no sábado não ficassem os corpos na cruz, visto como era a Preparação (pois era grande o dia de sábado), rogaram a Pilatos que lhes quebrassem as pernas, e que fossem tirados. Foram, pois, os soldados e, na verdade, quebraram as pernas do primeiro, e ao outro que com ele fora crucificado; mas vindo a Jesus, e vendo-O já morto, não lhe quebraram as pernas” (cf. Jo.19:31-33).

Qual seria a razão pela qual devia-se quebrar as pernas dos crucificados? Porque o crucificado não morria no mesmo dia. Cristo foi exceção ao caso porque expirou antes (cf. Lc.23:46), ele não morreu como resultado da hemorragia. Os outros, contudo, ainda ficavam vivos agonizando durante dias – não poderiam estar com Cristo naquele mesmo dia em questão. Isso é o que a História e a Bíblia Sagrada nos mostram. Diz o comentário de J. B. Howell:

“O crucificado permanecia pendurado na cruz até que, exausto pela dor, pelo enfraquecimento, pela fome e a sede, sobreviesse a morte. Duravam os padecimentos geralmente três dias, e às vezes, sete” [Comentário a S. Mateus, pág. 500]

Arnaldo B. Christianini segue na mesma linha e afirma:

“Depois do sábado haver passado, sem dúvida esses dois corpos foram outra vez amarrados na cruz, e lá ficaram diversos dias, até morrerem (…) Se era necessário quebrar as pernas aos dois malfeitores, antes do pôr do sol, é porque não haviam morrido ainda. Na pior das hipóteses viveram ainda, pelo menos, um dia a mais do que o Mestre. Como podia, um deles, estar no mesmo dia junto de Jesus?” [Subtilezas do Erro, pág 222]

Vemos, portanto, que historicamente os ladrões que morriam na cruz não faleciam no mesmo dia da crucificação. E a Bíblia confirma isso? Sim, confirma. Na passagem anteriormente citada, vemos que “os judeus, pois, para que no sábado não ficassem os corpos na cruz, visto que era véspera do sábado, pediram a Pilatos que se lhes quebrassem as pernas, e fossem tirados” (cf. Jo.19:31). Por que as pernas dos crucificados foram quebradas? Para matá-los logo? Se alguém quisesse matá-los, bastaria uma lancetada no coração ou no fígado deles (como foi feita com Cristo porque viram que já estava morto).

A finalidade em quebrar as pernas deles não era para matá-los, mas porque havia uma tradição entre os judeus que não permitia que o condenado ficasse dependurado na cruz no dia de sábado. Por isso, lhes quebravam as pernas e era descido do madeiro e assim permanecia até o fim do sábado. Prova ainda mais forte de que tal procedimento não resultava em morte imediata dos crucificados é a grande surpresa de Pilatos (experiente em crucificações) em ver que Jesus já havia morrido:

“E Pilatos se admirou de que {Cristo} já estivesse morto” (cf. Marcos 15:44)

Pilatos ficou pasmo em ver que Jesus já estivesse morto. Certamente deveria ter dito algo como: “Já morreu?!” Por que Pilatos “se admirou”? Por certo, Pilatos, veterano em mandar pessoas para cruz, já familiarizado com as crucificações, admirou-se diante de um fato inusitado: era algo incomum alguém morrer no mesmo dia da crucificação! O léxico de Strong define a palavra aqui traduzida por “admirou-se” como sendo:

2296 θαυμαζω thaumazo
de 2295; TDNT – 3:27,316; v
1) admirar-se, supreender-se, maravilhar-se.
2) estar surpreendido, ser tido em admiração.

Assim vemos que o fato de alguém morrer naquele mesmo dia da crucificação era algo extraordinário, bem fora do normal, um fato que causa espanto, surpresa, admiração. Foi assim com Jesus, mas nada indica que tenha assim sido também com os ladrões ao seu lado na cruz. Ao contrário, a evidência indica que eles permaneceram vivos depois da morte de Cristo, pois este foi o único a ter o lado furado por uma lança por já ter morrido naquele mesmo dia (cf. Jo.19:33-34), os demais permaneceram vivos dependurados do madeiro até o fim do sábado para depois serem outra vez amarrados à cruz. Não era intenção dos romanos matá-los, mas deixá-los sofrendo (cf.Jo.19:32).

Concluímos, pois, que historicamente e biblicamente o ladrão não morria naquele mesmo dia, e isso, unido às razões já apresentadas, nos mostra claramente que o ladrão não poderia estar naquele mesmo dia com Cristo no Paraíso – que, por sinal, também não subiu por lá enquanto esteve morto (cf. Jo.20:17; At.2:27).

EVIDÊNCIAS HISTÓRICAS

Evidências Históricas – Como já foi demonstrado, no original grego (Koiné) em que a Bíblia foi escrita não existia vírgulas, o que dá margens para os tradutores as colocarem de acordo com as suas tradições religiosas. Mas, posteriormente, o grego passou a ter vírgula, e como era costume dos Pais da Igreja citarem constantemente as Escrituras em seus próprios escritos, eles transcreveram o texto de Lucas 23:43 da forma mais coerente que vimos acima: “Em verdade te digo hoje: estarás comigo no Paraíso”. Por exemplo, Hesíquio de Jerusalém, que foi um cristão presbítero e exegeta do quinto século d.C, transcreveu essa passagem de Lucas 23:43 da seguinte maneira:

“Verdadeiramente eu lhe falo hoje” (Hesichius de Jerusalem, em Patrologia Grega, Volume Noventa e Três, 1433)

Teofilacto declarou o mesmo ao escrever Lucas 23:43 do seguinte modo:

“Verdadeiramente eu lhe falo hoje” (Teofilacto em Patrologia Grega, em Patrologia Grega, Volume Cento e Vinte e Três, 1104)

Como vemos, os próprios Pais da Igreja de épocas posteriores (onde já existia a vírgula) reconheciam que Jesus lhe falava “hoje” que o ladrão estaria com Ele no Paraíso, e não que o ladrão estaria no Paraíso naquele mesmo dia. Vale ressaltar um detalhe importante: a maioria dos Pais da Igreja, especialmente a partir do terceiro século d.C, começaram a adotar a tese da imortalidade da alma, contrariando a visão de dois séculos de Cristianismo (conforme já conferimos neste artigo). Isso significa que estes Pais da Igreja, mesmo sendo imortalistas, reconheciam que a forma gramatical do grego apontava que a vírgula deveria ser colocada depois do “hoje”.

O mesmo acontece nos dias de hoje: vários imortalistas já abandonaram este “argumento de Lucas 23:43”, uma vez que perceberam que a passagem pode perfeitamente ser entendida e interpretada dentro do prisma mortalista, sem qualquer problema. A interpretação de que Lucas 23:43 é uma “prova” da imortalidade da alma só começou a surgir vários séculos depois, quando começaram a pedir provas bíblicas que fundamentassem essa doutrina, e, sem encontrar quase nenhuma, tiveram que apelar para passagens como essa, que nem mesmo os primeiros imortalistas lançaram mão dela, entendendo que a pontuação realmente era contra, e não a favor da tese deles neste texto.

Vale também ressaltar que não foram apenas os Pais da Igreja que entenderam que a vírgula em Lucas 23:43 deve ser colocada antes do “hoje”, pois muitos outros manuscritos antigos atestam o mesmo. Os Manuscritos Bc e Sy-C, Antigo Siríaco, que são grandemente respeitados na comunidade acadêmica e apologética e que datam do terceiro século AD, sendo um dos manuscritos do NT mais importantes que temos até hoje, verte o texto de Lucas 23:43 colocando a vírgula depois do “hoje”:

“Eu digo a você hoje, que Comigo tu deve estar no Jardim de Éden” (Manuscritos Bc e Sy-C – Antigo Siríaco)

Por fim, o próprio Vaticanus 1209, um dos melhores manuscritos gregos do Novo Testamento, que data do século IV d.C e que é uma das fontes pelas quais os estudiosos mais trabalham na identificação do original do NT, traz o seguinte em Lucas 23:43:

Note que no texto grego há um ponto depois da palavra “semeron” (dia), e não antes dela. Este Condex Vaticanus foi considerado por Westcott e Hort como o melhor manuscrito grego do NT, e é também um dos manuscritos mais antigos da Bíblia, sendo inclusive mais antigo do que o Codex Sinaiticus. É interessante também os comentários do erudito Earle Ellis em sua obra “The Gospel of Luke”, no comentário da Bíblia New Century:

“Alguns manuscritos produzidos razoavelmente cedo colocam a vírgula depois de ‘hoje’ e assim, continuam com a referência a parousia do verso 42” (Publicado por Wm.B.Eerdmans Publishing Co. Grand Rapids Michigan, reprint of 1983)

Isto, sem dúvida, mostra que este erudito sabe a respeito da pontuação no Ms Vaticanus em Lucas 23:43, bem como em outros respeitados manuscritos antigos.

A GRAMÁTICA

A gramática – Ainda que o texto original não possua vírgulas, a forma linguística em que ele é escrito nos ajuda a desvendarmos qual é o seu real sentido na passagem em pauta. No português, quando traduzimos a frase podemos colocá-la em antes ou depois do advérbio “hoje” (como vimos acima), e ambas as traduções aparentemente podem dar sentido real à frase. Contudo, quando pegamos os manuscritos originais no grego e ponderamos em onde colocar a vírgula, tal não faz sentido se ela for colocada antes do “hoje”, como querem os imortalistas. Por quê? Simplesmente porque isso criaria um dilema de primeira ordem por falta de lógica no próprio texto.

Grande parte dos tradutores simplesmente ignoram a palavra ἐμοῦ = de mim. Sem considerar esta palavra o sentido original do foi dito se perde. Vejamos a tradução do verso palavra por palavra:

καὶ = E \ εἶπεν = disse \ αὐτῷ = a ele \ Ἀμήν = amém \ σοι = a ti \ λέγω = digo \ σήμερον = hoje \ μετ᾿ = depois \ ἐμοῦ = de mim \ ἔσῃ = serás \ ἐν = em \ τῷ = o \ παραδείσῳ = paraíso.

A palavra μετ᾿ significa “comigo”, como também significa “depois”, se você considerar que μετ᾿ está no sentido de “comigo”. Necessariamente, temos que ignorar a palavra ἐμοῦ = de mim. Comigo de mim, não faz sentido algum. A vírgula não pode ficar antes de “hoje”. A vírgula deve ser colocada após o “hoje” e também após o “depois”. Considerando todas as palavras como elas são literalmente e traduzindo corretamente, o sentido original do foi dito fica muito claro:

“E disse a ele; Amém a ti digo hoje, depois, de mim serás em o paraíso”. Depois de todas as coisas concluídas, o ladrão com certeza absoluta será do nosso Salvador. Jesus entregou ao ladrão da cruz a promessa de que este estaria no Paraíso. ‘Hoje’ é o momento em que esta promessa lhe foi dita. Naquele momento Cristo assegurou a ele tal promessa.

Mas em resposta a que foi feita a promessa?

Verso 42… μνήσθητί = Lembra-te \ μου = de mim \ ὅταν = quando \ ἔλθῃς = vier \ εἰς = em \ τὴν =o \ βασιλείαν = Reino \ σου = de ti.

“Lembra-te de mim quando vier em o reino de ti”. O ladrão tinha dúvida se aquilo poderia ser possível e, por isso, seu pedido a Jesus foi que este se lembrasse dele, não quando morresse, mas quando Ele viesse em seu poder visível. Então, naquele momento, o hoje, Cristo lhe deu esta certeza. Ele lhe garantiu: “depois, de mim serás em o paraíso”.

A preposição μετὰ indica um tempo – depois; após; além de. Depois que todas as coisas forem concluídas, quando Cristo vier na Sua Glória, o ladrão estará na glória com o Senhor Jesus. Naquele momento, o ‘hoje’ do verso, o ladrão recebeu a certeza de que, no futuro, estaria com Cristo no Paraíso.

ἐμοῦ ou μου é um pronome na primeira pessoa do singular, que não pode ser ignorado. No grego a pontuação não é absolutamente necessária para a compreensão textual, mas no português se você não organizar as palavras da maneira correta e usando a pontuação, o texto fica sem nenhum sentido, e ainda dá margens para más interpretações.

REFUTANDO OBJEÇÕES

Refutando objeções – A principal objeção sustentada pelos defensores da imortalidade da alma neste texto é que seria inteiramente desnecessário a adição do “hoje”, pois se Jesus dizia aquilo naquele momento (o “hoje”) não seria preciso adicionar que estava dizendo aquilo hoje. Em resposta a essa objeção, devemos ressaltar, em primeiro lugar, que é muito comum na Bíblia a utilização do “hoje” em construções de frases em muito semelhantes à de Lucas 23:43. Por dezenas de vezes vemos declarações semelhantes que são precedidas pelo “hoje”, como, por exemplo:

(Jeremias 42:21) – E vo-lo tenho declarado hoje; mas não destes ouvidos à voz do Senhor vosso Deus, em coisa alguma pela qual ele me enviou a vós.

(Deuteronômio 6:6) – E estas palavras, que te ordeno hoje, estarão no teu coração.

(Deuteronômio 11:8) – Guardai, pois, todos os mandamentos que eu vos ordeno hoje, para que sejais fortes, e entreis, e ocupeis a terra que passais a possuir.

(Deuteronômio 30:18) – Então eu vos declaro hoje que, certamente, perecereis; não prolongareis os dias na terra a que vais, passando o Jordão, para que, entrando nela, a possuas.

(Deuteronômio 4:40) – E guardarás os seus estatutos e os seus mandamentos, que te ordeno hoje para que te vá bem a ti, e a teus filhos depois de ti, e para que prolongues os dias na terra que o Senhor teu Deus te dá para todo o sempre.

(Atos 20:26) – Portanto, eu lhes declaro hoje que estou inocente do sangue de todos.

As passagens acima são apenas alguns exemplos do emprego do “hoje” na mesma construção de frase que observamos em Lucas 23:43. Constatamos facilmente que expressões semelhantes a essa são utilizadas aos montões na Bíblia:

“…te ordeno hoje” (cf. Dt.6:6; 11:8; 4:40; 30:11; 27:10; 15:5; 30:8; 27:1; 10:13; 11:13; 15:5; 8:11; 28:14; 27:4; 13:18; 19:9; 8:1; 1:28; 28:1; 28:13)

“…declaro hoje” (cf. Je.42:21; Dt.30:18; At.20:26)

“…testifico hoje” (cf. Dt.8:19; 32:46)

“…ponho hoje” (cf. Dt.4:8)

“…proponho hoje” (cf. Dt.30:15; 11:32)

“…vos mando hoje” (cf. Dt.11:27)

“…vos anuncio hoje” (cf. Zc.9:12)

Lucas 23:43 não faz parte de uma exceção, faz parte de uma regra. De fato, o Dr. Rodrigo Silva, em sua tese de doutorado na Pontífica Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, intitulada “Análise Linguística do Sémeron em Lucas 23:43”, provou com base em uma minuciosa investigação das ocorrências do advérbio sémeron nos textos gregos do Antigo Testamento (tradução da Septuaginta) e do Novo Testamento que “na maioria absoluta dos casos” em que existe uma ambiguidade semelhante à de Lucas 23:43, “a ligação de sémeron com o primeiro verbo demonstrou-se a mais natural”. A expressão “hoje” ligada ao verbo não é redundante, é enfática, e ocorre aos montões na Bíblia. Mesmo se fosse uma exceção, isso de modo nenhum invalidaria o argumento, visto que exceções também existem na Bíblia em grande quantidade.

Além disso, alegam também que Jesus se expressou diversas vezes dizendo “em verdade te digo” além de em Lucas 23:43, mas que em nenhuma delas ele adicionou o “hoje”, à exceção de Marcos 14:30. Sendo assim, se Jesus não teve uma boa razão para mudar sua forma habitual de dizer o “em verdade te digo”, ele deve ter se expressado conforme os imortalistas creem. O que eles não são capazes de imaginar, porém, é que existe uma boa razão pela qual Jesus adicionou o ‘hoje’. E isso está totalmente relacionado ao verso anterior, em que o ladrão diz: “και ελεγεν τω ιησου μνησθητι μου κυριε οταν ελθης εν τη βασιλεια σου”, corretamente traduzido por: “Lembra-te de mim quanto vieres no teu Reino”.

A palavra grega aqui traduzida por “vir” (e que algumas versões traduzem por “entrar”) é erchomai, que, de acordo com o NAS New Testament Lexicon grego, significa: “vir de um lugar para outro”. Ainda segundo o léxico do grego, na grande maioria das vezes em que essa palavra aparece no Novo Testamento significa vir:

Vieram: 225 vezes.
Vêm: 222 vezes.
Vem: 64 vezes.
Chegando: 87 vezes.
Foi: 18 vezes.
Vai: uma vez.
Chegou: uma vez;
Entrou: duas vezes.

Esse verbo aparece mais de quinhentas vezes ligado a “vir” e apenas duas vezes ligado a “entrar”, e mesmo assim muitas traduções preferiram traduzir por “quando entrar no teu Reino”, para dar algum sentido à declaração posterior de Cristo de que estaria naquele mesmo dia com Ele no Paraíso. O Thayer’s Greek Lexicon afirma que essa palavra tem relação com: (a) a volta invisível de Cristo do Céu; (b) equivalente a vir para fora, mostrar-se. De acordo com Buttmann, “quando é usado com substantivos de tempo, expressa um sentido futuro, virá” (Buttmannm 204; Winer Gramática § 40, 2). Alguns exemplos de quando esse verbo ocorre na Bíblia são:

(Mateus 3:7) – Mas, vendo ele muitos dos fariseus e dos saduceus que vinham [erchomenous] para o batismo, disse-lhes: ‘Raça de víboras! Quem vos ensinou a fugir da ira vindoura’?

(Mateus 3:11) – Eu vos batizo com água para o arrependimento, mas aquele que vem [erchomenos] depois de mim é maior do que eu e eu não sou digno nem mesmo de lavar as suas sandálias.

(Mateus 3:14) – João, porém, tentou impedi-lo, dizendo: ‘Eu preciso ser batizado por você, e você vem [erche] a mim?

(Mateus 3:16) – Assim que Jesus foi batizado, saiu da água. Naquele momento os céus se abriram, e ele viu o Espírito de Deus descendo como pomba e vindo [erchomenon] sobre ele.

(Mateus 5:17) – Não pensem que vim [elthon] para abolir a lei ou os profetas; não vim [elthon] para abolir, mas para cumprir.

(Mateus 6:10) – Venha [eltheto] o teu Reino, seja feita a tua vontade, assim na terra com no Céu.

A nota de rodapé da Nova Versão Internacional também faz uma importante observação em Lucas 23:42:

“Muitos manuscritos dizem: ‘quando vieres no teu poder real'” (NVI)

Os judeus criam que a vinda do Messias acarretaria na vinda imediata do Reino em sua forma visível, com um Cristo político e libertador. Contudo, a vinda de Jesus trouxe o Reino em sua forma espiritual, dando-nos vitória sobre as forças das trevas. Quando o ladrão pede para ser lembrado por Cristo “quando vieres [erchomai] no teu Reino”, ou “quando vieres no teu poder real”, conforme muitos manuscritos antigos trazem, ele revela a sua convicção de que ele só voltaria à vida novamente quando a vinda visível do Reino de Cristo for consumada, pois é somente neste momento (da segunda vinda de Cristo, a Sua Volta Gloriosa), que os mortos serão ressuscitados.

O ladrão sabia que ele iria morrer e pede para ser lembrado por Cristo naquele dia tão esperado em que Ele viesse em Seu reino em sua forma visível, destruindo o poder da morte e dando vida aos mortos. É neste momento que o ladrão queria ser lembrado por ele, porque é somente neste momento em que os mortos ressuscitam para estar com Cristo. Jesus, então, declara ao ladrão que não precisava pensar em tempos tão remotos para ser lembrado por ele, mas que hoje mesmo lhe garantia que com Ele estaria no Paraíso. Ele não precisaria ficar na ansiedade da volta de Jesus para ser lembrado somente dois mil anos depois para saber de seu destino final, pois naquele mesmo momento, o “hoje” em questão, Cristo lhe assegurava a salvação.

O verso 42, portanto, deixa claro que o próprio ladrão sabia que não entraria no Paraíso naquele mesmo dia, por isso pediu para ser lembrado por Cristo somente quando na Sua Segunda Vinda. Cristo, então, lhe assegurou naquele mesmo dia que o ladrão estaria com ele no Paraíso. O ladrão pediu a Jesus para lembrar-se dele no futuro quando Ele viesse em seu poder visível, mas Jesus respondeu lembrando a ele imediatamente, o “hoje” do verso, e garantindo que com Ele seria no Paraíso. Sendo assim, o emprego do “hoje” no verso 43 não é desnecessário e nem redundante. Ele não apenas serve para enfatizar como ocorre em outras dezenas de vezes na Bíblia, mas também para antecipar a garantia da salvação ao crucificado.

MAS E AS TRADUÇÕES BÍBLICAS?

Mas e as traduções bíblicas? – É alegado também pelos imortalistas que, se a vírgula deve ser colocada depois do “hoje”, e não antes dele, como foi provado aqui tendo em vista todo o contexto textual, a gramática do texto em grego, a hermenêutica, os documentos antigos e as evidências históricas, então praticamente todas as versões que existem hoje estão todas adulterando a Bíblia, e que a única versão correta das Escrituras seria a “Tradução Novo Mundo”, das Testemunhas de Jeová, que traduz o verso desta maneira.

Isso simplesmente não é verdade. É fato que as traduções que optaram por colocar a vírgula depois do “hoje” erraram, mas elas não erraram por desonestidade (o que seria adulteração na Bíblia), pois o verso realmente deixa em aberto as duas traduções no grego em primeira instância, mas por seus próprios pressupostos teológicos, pois todas elas defendem a tese de imortalidade da alma. Bispo Sandro, um erudito do grego bíblico, esclareceu sobre a questão das traduções bíblicas nas seguintes palavras:

“Sabe-se que toda tradução é naturalmente interpretativa e hermenêutica. Ou seja, está sempre submetida aos conceitos e ponto de vista do tradutor. Há os que sustentam uma ‘imparcialidade’ ou ‘neutralidade’ em traduções. Porém, cientificamente, sabe-se que a ‘neutralidade’ é um mito. O tradutor pode tender à ‘imparcialidade’, porém sempre há algo de sua individualidade e subjetividade que estarão presentes em sua produção textual. Nesta mesma linha, há o mito da ‘tradução fiel’, que é tratar a tradução como uma reprodução literal e precisa da fonte primária. Em outras palavras, uma tradução da Bíblia em português (ou qualquer outra língua) que se diga 100% fiel às fontes originais. O ideal de uma ‘tradução fiel’ é uma impossibilidade técnica, não há como fazer uma tradução que reproduza fielmente, em todos os aspectos, o que o autor quis dizer. Pois é óbvio, que o sentido de um texto só pode ser entendido em todas suas dimensões de significado, quando inserido em sua língua e contexto originais. Ao passar este significado ou sentido para uma outra língua, há perdas, limitações naturais que ocorrem pelo simples fato de ser uma tradução”

E ele conclui dizendo:

“Por isto, não existem traduções perfeitas, ou uma que possa ser considerada a melhor. Existem boas traduções da Bíblia publicadas por editoras Evangélicas, Católicas e Judaicas, porém, estão todas suscetíveis às críticas e às mesmas vulnerabilidades textuais que já foram mencionadas… toda tradução tem seu valor, o que não anula obviamente, suas limitações”

Essas colocações são decididamente importantes porque nos ajudam a compreender a razão pela qual a grande maioria dos tradutores optaram por colocarem a vírgula antes do “hoje”: porque estão tendenciados a isso em vista de seus próprios conceitos teológicos. Isso é muito diferente de dizer que eles “adulteraram” a Bíblia. Significa apenas que, quando chega a um ponto de disputa teológica, sempre optam por seguir a linha teológica que a determinada sociedade bíblica adota – na maioria dos casos, a de imortalidade da alma. Por isso, é evidente que as traduções de imortalistas (como as Almeidas ou as católicas) vão optar por colocar a vírgula antes do “hoje”, ao passo que as traduções de mortalistas (como TJS ou adventistas) vão optar por colocar a vírgula depois do “hoje”.

Isso não representa nada em questão de exegese, porque a obrigação do tradutor não é de ser um exegeta, mas meramente de traduzir. Quem terá o trabalho de reunir todas as evidências bíblicas na busca da compreensão correta do texto são os eruditos bíblicos, os críticos textuais, não os tradutores. Por isso, a grande quantidade de versões bíblicas com a vírgula colocada antes do hoje apenas reflete que a grande maioria dos tradutores são imortalistas, nada a mais do que isso. Se a maioria fosse mortalista (o que algum dia pode chegar a ser), a maioria colocaria a vírgula depois do “hoje”.

Isso obviamente não implica que as versões que se equivocaram colocando a vírgula antes do “hoje” estejam erradas em seu todo, nem muito menos implica que as traduções que optaram pela vírgula depois do “hoje” estejam certas em todo o resto. Todas as traduções bíblicas erram em alguns pontos e acertam em outras, e todas as traduções bíblicas tendem pelo lado teológico aceito por eles quando há uma passagem de tradução livre e fruto de interpretação bíblica.

Além disso, não é verdade que a Tradução Novo Mundo seja a única que coloca a vírgula depois do “hoje”. Outras versões, como a Tradução Trinitariana, em português, editada em 1883 pela “Trinitarian Bible Society” de Londres, diz:

“Na verdade te digo hoje, que serás comigo no Paraíso”

Da mesma forma, o Emphasized New Testament, de Joseph B. Rotherham, impresso em Londres, em 1903, assim traduz Lucas 23:43:

“Jesus! Lembra-te de mim na ocasião em que vieres no Teu reino. E Ele disse-lhe: Na verdade, digo-te neste dia: Comigo estarás no Paraíso”.

O The New Testament, de George M. Lamsa, diz:

“Jesus lhe disse: Na verdade te digo hoje, estarás comigo no Paraíso”

A chamada Concordant Version, em inglês, assim traduz:

“E Jesus lhe disse: ‘Na verdade a ti estou dizendo hoje, comigo estarás no Paraíso’”

O famoso Manuscrito Curetoniano da Versão Siríaca, que está hoje no Museu Britânico, assim diz:

“Jesus lhe disse: Na verdade te digo hoje, que comigo estarás no Jardim do Éden”

O comentário da Oxford Companion Bible ainda diz:

“’Hoje’ concorda com ‘te digo’ para dar ênfase à solenidade da ocasião; não concorda com ‘estarás’”,

No Apêndice n°. 173, a famosa Oxford Companion Bible acrescenta:

“A interpretação deste versículo depende inteiramente da pontuação, a qual se baseia toda na autoridade humana, pois os manuscritos gregos não tinham pontuação alguma até o nono século, e mesmo nessa época somente um ponto no meio das linhas, separando cada palavra… A oração do malfeitor referia-se também àquela vinda e àquele Reino, e não a alguma coisa que acontecesse no dia em que aquelas palavras foram ditas”.

E concluem dizendo:

“E Jesus lhe disse: ‘Na verdade te digo hoje’ ou neste dia quando, prestes a morrerem, este homem manifestou tão grande fé no Reino vindouro do Messias, no qual só será Rei quando ocorrer a ressurreição – agora, sob tão solenes circunstâncias, te digo: serás comigo no Paraíso”.

Por fim, a versão impressa da Nueva Reina Valera de 2000 assim traduz:

“Então Jesus lhe respondeu: ‘Eu te asseguro hoje, estarás comigo no paraíso’”

Portanto, é simplesmente falsa a afirmação de que a única versão da Bíblia que traduz Lucas 23:43 da maneira correta é a Tradução Novo Mundo das Testemunhas de Jeová.

De fato, Lucas 23:43 é uma mensagem em que Cristo diz ao ladrão da cruz: “Em verdade te digo hoje, estarás comigo no Paraíso”, mas que os tradutores bíblicos imortalistas preferiram por suas próprias convicções teológicas traduzirem por: “Em verdade te digo, hoje estarás comigo no Paraíso”.

E assim exegese foi totalmente destruída.

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

Por Cristo e por Seu Reino,

Lucas Banzoli (apologiacrista.com)

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